sorrow (2)
custou tanto (ontem) voltar lá!
assim que entrei a mesma sensação, o chão a fugir, a respiração desobediente, o coração a bater descompassado, um rio a querer sair, o tempo que pára como num filme em slow motion as imagens todas desfocadas. a memória que percorre todos os ficheiros e selecciona episódios aleatórios de momentos bons, marcados em mim, no que sou, no que me tornei. um vendaval cá dentro em que preciso de fazer um esforço brutal para serenar, focar-me onde estou e sair de mim. respiro. e então olho reconheço outra vez a meu lado, aquele sorriso tão familiar, as mãos fortes e seguras que sempre me acompanham e que identifico como porto seguro.
estou lá outra vez, viagem no tempo, entramos no quarto, as pernas tremem enquanto desinfecto as mãos, segura-me na carteira, não consigo focar, andar, sinto as mãos que teimam em não me largar nas costas e então vejo-te.
dormes um sono profundo só teu, calmo, sereno, estás tão bonita, como és, toco-te e falo então contigo. digo que tenho saudades tuas, que logo nos vamos ver, que gosto muito de ti e te admiro por seres forte. ouço a voz das mãos que me guiam dizer que estás muito bem cuidada depois de ter cuidadosamente inspeccionado todas as máquinas e os valores assinalados, faz-te uma festa na cabeça e percebo a ternura desse gesto. despeço-me apressadamente e prometo a ti e a mim que nos veremos em breve. tínhamos-nos cruzado com os teus pais, carregavam uma sombra pesada e não fui capaz de os confortar, senti-me a desabar. ouço a voz que me acompanha faze-lo por mim e aceno continuamente com a cabeça.
falo contigo em sonhos e chamo-te. os dias que teimam em se suceder contigo deitada, a corrente de energia que falha com a cirurgia a ser cancelada por problemas respiratórios assim que te viram de barriga para baixo. passa uma semana, expectativas e esperança renovada e eis que chegam as notícias, tudo correu pelo melhor nas longas e lentas 7 horas.
ganhaste a luta.
voltamos lá, já não estás, passaram apenas dois dias e já saíste de lá, foste transferida. chego à porta do novo quarto e não consigo, sinto um aperto difícil de suprimir. paramos um instante, a voz diz “está a sorrir, já me viu”. a tua mãe vem na nossa direcção já tem luz, tropeço nas palavras, vamos ter contigo e só consigo sorrir, ouço-o falar e diz tudo o que eu te queria dizer que foste valente (tal como o nome indica), que o pior já passou, que já tínhamos estado juntos, incentiva-te e mais uma vez transmite aos teus pais tudo o que me teima em ficar cá dentro. a tua mãe pergunta quem é, tu encolhes os ombros e dizes oh a mariana! aqui já não há lágrimas para suster, estou tão feliz por ter ver!
volto nos teus anos pensava que não te ia ver, surpresa, a tua mãe chega para nos receber e desta vez as palavras não consigo segurar, atropelam-se umas as outras, digo uma data de disparates seguidos, falo sobre o anel que recebeste de presente que já tinha visto no email, do livro, da flor, perco-me e conto de uma assentada para nada perder, não há fio condutor nem estrutura lógica, não caibo em mim e é quando te ouço dizer “estavas a precisar de te apaixonar” sinto a tua doçura, compreensão, empatia e partilha, guardo o momento forte cá dentro com o peso da sua importância, fazes 27 anos.
e no entanto ontem quando lá voltei, o cheiro, a repetição da sensação, o mesmo tremer, tive um flashback. estou na trofa no atl, ainda é cedo ligo o computador e vou ver o email, as linhas sobrepõem-se não consigo ler, tenho de fazer um esforço para seguir com o dedo, começo a extrair significado, diz que deu o meu email porque tiveste um problema grave de saúde e é então que entendo as mensagens que te enviava e teimavam ficar pendentes, eu sempre a justificar a mim própria que te tinham voltado a roubar o telemóvel, não acabo de ler, procuro o outro email e enquanto vejo ligo ao meu pai, as lágrimas explodem, diz que vai saber. penso em todas as pessoas que conheço com ligação ao hospital s.joão, elaboro uma rede de contactos no meio da angústia, os telefonemas sucedem-se e é um pesadelo que teima em se manter real.
percebo então que tenho de quebrar esta roda-viva de imagens, sentimentos, intensidade, pensamentos, os enquadramentos a sucederem-se como uma fita de cinema desgovernada.
é passado, passou, estás cá, estás comigo, estás bem e feliz, és um exemplo, resististe à fisioterapia tu que não gostas de exercício físico, candidataste-te à feup, estás a trabalhar contrato de três anos, vão viver juntos um projecto a dois. não consigo exprimir o quanto me sinto orgulhosa e feliz por te ter como amiga.
vejo agora que tinha de voltar lá trás, muita dor e emoção. estou noutro andar, noutro serviço, não és tu, sigo com aqueles mesmos passos que me acompanham a meu lado, em qualquer lugar os reconheceria.
perguntam “é filho?”
entra e a porta fecha-se e eu fecho-me em mim, percorro tudo outra vez.
“queria ver a minha irmã, sou médico”
“eu sei fui seu aluno, esta senhora é um encanto”.
regresso daquela dimensão, sinto outra vez as mãos fortes nas costas
“está toda bem disposta, diz que tem muita fome, não lhe vão fazer o exame porque era de risco”. faço um esforço brutal para me conter, sinto aquele sorriso que o caracteriza ao chamar-me peixinho do mar. deixo de pensar, assim que nos separamos rebento em lágrimas..
a vida em suspenso.
assim que entrei a mesma sensação, o chão a fugir, a respiração desobediente, o coração a bater descompassado, um rio a querer sair, o tempo que pára como num filme em slow motion as imagens todas desfocadas. a memória que percorre todos os ficheiros e selecciona episódios aleatórios de momentos bons, marcados em mim, no que sou, no que me tornei. um vendaval cá dentro em que preciso de fazer um esforço brutal para serenar, focar-me onde estou e sair de mim. respiro. e então olho reconheço outra vez a meu lado, aquele sorriso tão familiar, as mãos fortes e seguras que sempre me acompanham e que identifico como porto seguro.
estou lá outra vez, viagem no tempo, entramos no quarto, as pernas tremem enquanto desinfecto as mãos, segura-me na carteira, não consigo focar, andar, sinto as mãos que teimam em não me largar nas costas e então vejo-te.
dormes um sono profundo só teu, calmo, sereno, estás tão bonita, como és, toco-te e falo então contigo. digo que tenho saudades tuas, que logo nos vamos ver, que gosto muito de ti e te admiro por seres forte. ouço a voz das mãos que me guiam dizer que estás muito bem cuidada depois de ter cuidadosamente inspeccionado todas as máquinas e os valores assinalados, faz-te uma festa na cabeça e percebo a ternura desse gesto. despeço-me apressadamente e prometo a ti e a mim que nos veremos em breve. tínhamos-nos cruzado com os teus pais, carregavam uma sombra pesada e não fui capaz de os confortar, senti-me a desabar. ouço a voz que me acompanha faze-lo por mim e aceno continuamente com a cabeça.
falo contigo em sonhos e chamo-te. os dias que teimam em se suceder contigo deitada, a corrente de energia que falha com a cirurgia a ser cancelada por problemas respiratórios assim que te viram de barriga para baixo. passa uma semana, expectativas e esperança renovada e eis que chegam as notícias, tudo correu pelo melhor nas longas e lentas 7 horas.
ganhaste a luta.
voltamos lá, já não estás, passaram apenas dois dias e já saíste de lá, foste transferida. chego à porta do novo quarto e não consigo, sinto um aperto difícil de suprimir. paramos um instante, a voz diz “está a sorrir, já me viu”. a tua mãe vem na nossa direcção já tem luz, tropeço nas palavras, vamos ter contigo e só consigo sorrir, ouço-o falar e diz tudo o que eu te queria dizer que foste valente (tal como o nome indica), que o pior já passou, que já tínhamos estado juntos, incentiva-te e mais uma vez transmite aos teus pais tudo o que me teima em ficar cá dentro. a tua mãe pergunta quem é, tu encolhes os ombros e dizes oh a mariana! aqui já não há lágrimas para suster, estou tão feliz por ter ver!
volto nos teus anos pensava que não te ia ver, surpresa, a tua mãe chega para nos receber e desta vez as palavras não consigo segurar, atropelam-se umas as outras, digo uma data de disparates seguidos, falo sobre o anel que recebeste de presente que já tinha visto no email, do livro, da flor, perco-me e conto de uma assentada para nada perder, não há fio condutor nem estrutura lógica, não caibo em mim e é quando te ouço dizer “estavas a precisar de te apaixonar” sinto a tua doçura, compreensão, empatia e partilha, guardo o momento forte cá dentro com o peso da sua importância, fazes 27 anos.
e no entanto ontem quando lá voltei, o cheiro, a repetição da sensação, o mesmo tremer, tive um flashback. estou na trofa no atl, ainda é cedo ligo o computador e vou ver o email, as linhas sobrepõem-se não consigo ler, tenho de fazer um esforço para seguir com o dedo, começo a extrair significado, diz que deu o meu email porque tiveste um problema grave de saúde e é então que entendo as mensagens que te enviava e teimavam ficar pendentes, eu sempre a justificar a mim própria que te tinham voltado a roubar o telemóvel, não acabo de ler, procuro o outro email e enquanto vejo ligo ao meu pai, as lágrimas explodem, diz que vai saber. penso em todas as pessoas que conheço com ligação ao hospital s.joão, elaboro uma rede de contactos no meio da angústia, os telefonemas sucedem-se e é um pesadelo que teima em se manter real.
percebo então que tenho de quebrar esta roda-viva de imagens, sentimentos, intensidade, pensamentos, os enquadramentos a sucederem-se como uma fita de cinema desgovernada.
é passado, passou, estás cá, estás comigo, estás bem e feliz, és um exemplo, resististe à fisioterapia tu que não gostas de exercício físico, candidataste-te à feup, estás a trabalhar contrato de três anos, vão viver juntos um projecto a dois. não consigo exprimir o quanto me sinto orgulhosa e feliz por te ter como amiga.
vejo agora que tinha de voltar lá trás, muita dor e emoção. estou noutro andar, noutro serviço, não és tu, sigo com aqueles mesmos passos que me acompanham a meu lado, em qualquer lugar os reconheceria.
perguntam “é filho?”
entra e a porta fecha-se e eu fecho-me em mim, percorro tudo outra vez.
“queria ver a minha irmã, sou médico”
“eu sei fui seu aluno, esta senhora é um encanto”.
regresso daquela dimensão, sinto outra vez as mãos fortes nas costas
“está toda bem disposta, diz que tem muita fome, não lhe vão fazer o exame porque era de risco”. faço um esforço brutal para me conter, sinto aquele sorriso que o caracteriza ao chamar-me peixinho do mar. deixo de pensar, assim que nos separamos rebento em lágrimas..
a vida em suspenso.
1 wish/es:
apesar de incompreensível, é de uma intensidade...
espero que estejas bem. tu e o que amas.*
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